EÇA DE QUEIRÓS. OS MAIAS
Personagens da crónica de costumes
Encontramos, no obra, um desfile de personagens, cuja
caracterização nos permite classificá-las como personagens-tipo. Elas
representam um determinado grupo social e funcionam como forma de criação da
crónica de costumes. O que, de facto, interessa, nestas personagens, não são os
elementos individualizantes, mas as suas características enquanto retrato de um
determinado grupo e contexto social específico.
São de salientar, a este nível, as seguintes personagens:
· Alencar, que
simboliza o Ultra-Romantismo, por oposição ao Realismo e ao Naturalismo,
defendidos por João da Ega. Através desta personagem, é criticada a estagnação
intelectual portuguesa, fechada às ideias novas que floresciam no estrangeiro,
e que se traduzia numa literatura sentimentalista e alheada da realidade,
enraizada em valores tradicionais e obsoletos.
Autor de várias publicações, é um crítico severo da
"Ideia Novíssima", isto é, do Naturalismo. Acérrimo defensor de uma
democracia humanitária, refugia-se no romantismo político e no ideal de uma
república presidida por génios e caracterizada pela fraternização dos povos, ao
constatar o descrédito do romantismo literário.
Caracterizam-no a lealdade e a generosidade. Amigo de Pedro
da Maia, vai funcionar como elemento referencial do passado de Carlos, enquanto
memória da figura paterna.
· Eusebiozinho representa
as vítimas de uma educação tradicional portuguesa, em que imperam os valores
morais atrofiantes e caducos e um ensino que não desenvolve a agilidade física
e a destreza intelectual do indivíduo, mas que o aniquila e corrompe espiritualmente.
Devido à educação que recebe (repare-se que Carlos da Maia é sujeito a um
programa educacional completamente oposto) torna-se um indivíduo socialmente
apagado e um fraco; incapaz de revelar uma atitude crítica ou analítica,
manifesta-se imaturo do ponto de vista afectivo, cobarde e influenciável.
(deixa-se bater pela mulher e convive com prostitutas espanholas, em Sintra;
torna-se amigo de Palma Cavalão).
Esta personagem serve ideologicamente os pressupostos
naturalistas e a ideologia da obra, opondo-se a Carlos desde a mais tenra idade
· O
Conde de Gouvarinho é uma figura secundária d' Os Maias e
inclui-se no painel que caracteriza o espaço social, na obra, ao nível das personagens-tipo.
Representa o Portugal velho e conservador tão criticado por
Eça. Politicamente incompetente, o conde de Gouvarinho simboliza, nesta obra,
a imagem do homem mesquinho e medíocre, que vive segundo as convenções
sociais, apesar de um casamento atribulado. Avesso ao progresso, utiliza um
discurso empolgado, mas vazio, e defende acerrimamente a cultura decadente como
elemento conquistador e civilizacional dos povos das colónias. O que sobressai,
fundamentalmente, desta personagem é a sua completa incapacidade de análise
política e a sua inconsequente ausência de visão histórico, que se traduz,
sobretudo, na sua futilidade mental e na sua vaidade extrema.
· Steinbroken é
a representação da impressão dos estrangeiros face à "complexidade" nacional.
Não emite opiniões e assume-se como um observador um tanto confuso e distante
do panorama nacional. A sua distância transparece no seu discurso, aliás, muito
pouco extenso, em que predominam as expressões linguísticas que se
caracterizam pela ausência de um significado concreto, como é o caso da sua
célebre afirmação: “C'est grave...”
· Sousa
Neto é um membro da Administração Pública. Caracterizam-no a falta de
cultura (lembremo-nos da sua resposta a Ega, quando este, provocante, lhe
perguntou se lera Proudhon), a sua incapacidade de análise e a sua vaidade
social.
· Jacob
Cohen é o director do Banco Nacional e marido de Raquel, com quem João
da Ega tem uma breve relação adúltera. Esta acaba, contudo, com a sua expulsão
da residência Cohen, durante um baile de máscaras.
Cohen é o representante da alta finança nacional. É vaidoso
e obtuso, por não perceber a relação de Ega com sua mulher, Raquel, nem a
hipocrisia com que João da Ega o trata, por esse motivo.
Jacob Cohen simboliza a burguesia que se encontra em lugares
de poder, sem, no entanto, possuir a inteligência e a flexibilidade mental para
compreender e analisar o mundo que a rodeia. Não apresenta uma consciência
forte do estado financeiro do país e é dominado por uma certa inércia.
· Taveira é
o amigo da família Maia; frequenta os serões no Ramalhete e não faz nada. Esta
figura pretende retratar, por excelência, a ociosidade da aristocracia
nacional.
· Dâmaso
Salcede é a figura mais hedionda da obra. Concentra a vaidade imbecil,
o egoísmo, a cobardia, a falta de integridade moral. A sua conduta é motivada
pelo seu excessivo egocentrismo e por uma visão deturpada da vida, enraizado
em valores sociais imorais, que o fazem oscilar entre comportamentos
antitéticos, mas sempre repreensíveis (pensemos na sua adulação a Carlos e
consequente imitação e na traição mesquinha que, posteriormente, pratica ao
publicar um artigo contra a reputação de Carlos da Maia n'A Corneta
do Diabo). Dâmaso simboliza, pela deformação moral que apresenta, a
maior vítima da sociedade portuguesa.
Fisicamente, é gordo, balofo, o que o torna muito pouco
atractivo, ainda que, cego pelo seu narcisismo que toca a idiotia, se considere
um excelente galã, muito apetecido pelas mulheres, por quem, aliás, não sabe
ter consideração nem respeito
· A Condessa
de Gouvarinho e Raquel Cohen simbolizam as mulheres portuguesas, com
uma educação romântica e um casamento pouco atraente, que procuram no adultério
uma forma de dar algum interesse e emoção às suas vidas
ü A Condessa de Gouvarinho é uma
mulher fútil e vazia de preconceitos; apresenta uma paixão obsessiva por
Carlos da Maia, com quem terá uma breve relação amorosa. Despreza o marido, não
só pela sua mediocridade mas, fundamentalmente, pela sua precária situação
económica que, bastas vezes, é coberta pelo pai desta. Simboliza a mulher que
não encontra a felicidade no casamento e que procura a emoção e a motivação de
viver fora dele.
ü Raquel Cohen é uma mulher romântica
e pouco motivada para a união com Jacob Cohen. Entrega-se à emoção de uma
relação adúltera com João da Ega, a quem convence, com queixumes e lamúrias
sobre o seu matrimónio infeliz, e que levam Ega, galhardamente, a tomar a sua
defesa. Após a expulsão de Ega de sua casa, este vem a tomar consciência de que
não passara de uma diversão quási balzaquiana e que Raquel Cohen, além de lhe mentir,
amava o marido, do qual sentia violentos ciúmes, razão que, eventualmente, a
levava a ter aventuras e a chamar a atenção do marido para a sua existência
enquanto mulher.
· Palma
Cavalão e Neves representam o meio jornalístico decadente de Lisboa. Palma
Cavalão, o director do jornal A Corneta do Diabo, é
desonesto e encara o jornalismo como uma forma de ganhar dinheiro, deixando-se,
para isso, corromper e subornar. Representa o jornalismo barato, escandaloso e
sem escrúpulos. Alcunhado de "Cavalão", ele simboliza a personagem
traiçoeira e sem princípios, que tudo faz por dinheiro, sem qualquer
preocupação com o seu semelhante. Considera-se o "amante latino", por
excelência, das prostitutas espanholas. A associação destas duas facetas
negativas torna-o mesquinho e cruel.
Neves, o director do jornal A Tarde, aproveita
a sua situação para influenciar politicamente os seus ouvintes/leitores
ignorantes. Revela parcialidade, quando Ega lhe pede que publique a carta de
Dâmaso em que este pede desculpas a Carlos, por pensar que se tratava de um
amigo político com o mesmo nome. Contudo, depois de saber que a carta era,
efectivamente, da autoria de Dâmaso Salcede e não de Dâmaso Guedes (o seu
amigo de lides políticas), acede a publicar o documento e serve-se mesmo da
carta para se vingar do "maganão" que os “entalara
no eleição passada”, dando ordens para que a mesma fosse publicada na
primeira página.
Conceição Jacinto, Gabriela Lança, Os Maias. Eca
de Queirós.
Porto Editora. Colecção Estudar Português
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