16/10/2013

OS MAIAS - Personagens da crónica de costumes

EÇA DE QUEIRÓS.  OS MAIAS

Personagens da crónica de costumes

Encontramos, no obra, um desfile de personagens, cuja caracterização nos permite classificá-las como personagens-tipo. Elas representam um determinado grupo social e funcionam como forma de criação da crónica de costumes. O que, de facto, interessa, nestas personagens, não são os elementos individualizantes, mas as suas características enquanto retrato de um determinado grupo e contexto social específico.
São de salientar, a este nível, as seguintes personagens:
·         Alencar, que simboliza o Ultra-Romantismo, por oposição ao Realismo e ao Naturalismo, defendidos por João da Ega. Atra­vés desta personagem, é criticada a estagnação intelectual portuguesa, fechada às ideias novas que floresciam no estrangeiro, e que se traduzia numa literatura sentimentalista e alheada da realidade, enraizada em valores tradicionais e obsoletos.
Autor de várias publicações, é um crítico severo da "Ideia Novíssima", isto é, do Naturalismo. Acérrimo defensor de uma democracia humanitária, refugia-se no romantismo político e no ideal de uma república presidida por génios e caracterizada pela fraternização dos povos, ao constatar o descrédito do romantismo literário.
Caracterizam-no a lealdade e a generosidade. Amigo de Pedro da Maia, vai funcionar como elemento referencial do passado de Carlos, enquanto memória da figura paterna.
·         Eusebiozinho representa as vítimas de uma educação tradicional portuguesa, em que imperam os valores morais atrofiantes e cadu­cos e um ensino que não desenvolve a agilidade física e a des­treza intelectual do indivíduo, mas que o aniquila e corrompe espi­ritualmente. Devido à educação que recebe (repare-se que Carlos da Maia é sujeito a um programa educacional completamente oposto) torna-se um indivíduo socialmente apagado e um fraco; incapaz de revelar uma atitude crítica ou analítica, manifesta­-se imaturo do ponto de vista afectivo, cobarde e influenciável. (deixa-se bater pela mulher e convive com prostitutas espanholas, em Sintra; torna-se amigo de Palma Cavalão).
Esta personagem serve ideologicamente os pressupostos naturalistas e a ideologia da obra, opondo-se a Carlos desde a mais tenra idade
·         O Conde de Gouvarinho é uma figura secundária d' Os Maias e inclui-se no painel que caracteriza o espaço social, na obra, ao nível das personagens-tipo.
Representa o Portugal velho e conservador tão criticado por Eça. Politicamente incompetente, o conde de Gouvarinho sim­boliza, nesta obra, a imagem do homem mesquinho e medío­cre, que vive segundo as convenções sociais, apesar de um casamento atribulado. Avesso ao progresso, utiliza um discurso empolgado, mas vazio, e defende acerrimamente a cultura decadente como elemento conquistador e civilizacional dos povos das colónias. O que sobressai, fundamentalmente, desta personagem é a sua completa incapacidade de análise política e a sua inconsequente ausência de visão histórico, que se traduz, sobretudo, na sua futilidade mental e na sua vaidade extrema.
·         Steinbroken é a representação da impressão dos estrangeiros face à "complexidade" nacional. Não emite opiniões e assume-se como um observador um tanto confuso e distante do panorama nacional. A sua distância transparece no seu discurso, aliás, muito pouco extenso, em que predominam as expressões linguís­ticas que se caracterizam pela ausência de um significado con­creto, como é o caso da sua célebre afirmação: “C'est grave...”
·         Sousa Neto é um membro da Administração Pública. Caracteri­zam-no a falta de cultura (lembremo-nos da sua resposta a Ega, quando este, provocante, lhe perguntou se lera Proudhon), a sua incapacidade de análise e a sua vaidade social.
·         Jacob Cohen é o director do Banco Nacional e marido de Raquel, com quem João da Ega tem uma breve relação adúltera. Esta acaba, contudo, com a sua expulsão da residência Cohen, durante um baile de máscaras.
Cohen é o representante da alta finança nacional. É vaidoso e obtuso, por não perceber a relação de Ega com sua mulher, Raquel, nem a hipocrisia com que João da Ega o trata, por esse motivo.
Jacob Cohen simboliza a burguesia que se encontra em lugares de poder, sem, no entanto, possuir a inteligência e a flexibilidade mental para compreender e analisar o mundo que a rodeia. Não apresenta uma consciência forte do estado finan­ceiro do país e é dominado por uma certa inércia.
·         Taveira é o amigo da família Maia; frequenta os serões no Ramalhete e não faz nada. Esta figura pretende retratar, por excelência, a ociosidade da aristocracia nacional.
·         Dâmaso Salcede é a figura mais hedionda da obra. Concentra a vaidade imbecil, o egoísmo, a cobardia, a falta de integri­dade moral. A sua conduta é motivada pelo seu excessivo ego­centrismo e por uma visão deturpada da vida, enraizado em valores sociais imorais, que o fazem oscilar entre comportamen­tos antitéticos, mas sempre repreensíveis (pensemos na sua adu­lação a Carlos e consequente imitação e na traição mesquinha que, posteriormente, pratica ao publicar um artigo contra a reputação de Carlos da Maia n'A Corneta do Diabo). Dâmaso simboliza, pela deformação moral que apresenta, a maior vítima da sociedade portuguesa.
Fisicamente, é gordo, balofo, o que o torna muito pouco atractivo, ainda que, cego pelo seu narcisismo que toca a idiotia, se considere um excelente galã, muito apetecido pelas mulheres, por quem, aliás, não sabe ter consideração nem respeito
·         A Condessa de Gouvarinho e Raquel Cohen simbolizam as mulheres portuguesas, com uma educação romântica e um casamento pouco atraente, que procuram no adultério uma forma de dar algum interesse e emoção às suas vidas
ü  A Condessa de Gouvarinho é uma mulher fútil e vazia de pre­conceitos; apresenta uma paixão obsessiva por Carlos da Maia, com quem terá uma breve relação amorosa. Despreza o marido, não só pela sua mediocridade mas, fundamentalmente, pela sua precária situação económica que, bastas vezes, é coberta pelo pai desta. Simboliza a mulher que não encontra a felicidade no casamento e que procura a emoção e a motivação de viver fora dele.
ü  Raquel Cohen é uma mulher romântica e pouco motivada para a união com Jacob Cohen. Entrega-se à emoção de uma relação adúltera com João da Ega, a quem convence, com queixumes e lamúrias sobre o seu matrimónio infeliz, e que levam Ega, galhardamente, a tomar a sua defesa. Após a expulsão de Ega de sua casa, este vem a tomar consciência de que não passara de uma diversão quási balzaquiana e que Raquel Cohen, além de lhe mentir, amava o marido, do qual sentia violentos ciúmes, razão que, eventualmente, a levava a ter aventuras e a chamar a atenção do marido para a sua existência enquanto mulher.
·         Palma Cavalão e Neves representam o meio jornalístico deca­dente de Lisboa. Palma Cavalão, o director do jornal A Corneta do Diabo, é desonesto e encara o jornalismo como uma forma de ganhar dinheiro, deixando-se, para isso, corromper e subor­nar. Representa o jornalismo barato, escandaloso e sem escrú­pulos. Alcunhado de "Cavalão", ele simboliza a personagem traiçoeira e sem princípios, que tudo faz por dinheiro, sem qualquer preocupação com o seu semelhante. Considera-se o "amante latino", por excelência, das prostitutas espanholas. A associação destas duas facetas negativas torna-o mesquinho e cruel.
Neves, o director do jornal A Tarde, aproveita a sua situa­ção para influenciar politicamente os seus ouvintes/leitores ignorantes. Revela parcialidade, quando Ega lhe pede que publique a carta de Dâmaso em que este pede desculpas a Carlos, por pensar que se tratava de um amigo político com o mesmo nome. Contudo, depois de saber que a carta era, efecti­vamente, da autoria de Dâmaso Salcede e não de Dâmaso Gue­des (o seu amigo de lides políticas), acede a publicar o docu­mento e serve-se mesmo da carta para se vingar do "maganão" que os “entalara no eleição passada”, dando ordens para que a mesma fosse publicada na primeira página.
Conceição Jacinto, Gabriela Lança, Os Maias. Eca de Queirós.
Porto Editora. Colecção Estudar Português


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