16/10/2013

OS MAIAS - O episódio do jantar no Hotel Central (capítulo VI)

OS MAIAS  de Eça de Queirós

O episódio do jantar no Hotel Central  (capítulo VI)



O capítulo onde está inserido o jantar no Hotel Central permite-nos perspectivar o Portugal contemporâneo d’Os Maias. O jantar em honra do banqueiro de prestígio, o Cohen, é um acontecimento eminentemente mundano; é particularmente rico pelo retrato crítico que Eça faz ao contexto político e cultural do seu tempo. Neste retrato assumem particular relevo dois aspectos fundamentais da vida da nação:
  • o cultural (mais propriamente a literatura)
  • o político.

Este jantar serve para propiciar um primeiro e alargado contacto de Carlos com o meio social lisboeta (com Cohen, Alencar, Dâmaso Salcede e outros)

1.Aliteratura:  Romantismo versus Realismo

Ao longo dos diálogos que se vão travando, assiste-se ao confronto entre duas linhas estéticas diferentes.
Þ    Das figuras presentes no jantar está Alencar, que representa o Romantismo, ou seja, a velha corrente literária (Cf. a descrição que nos transmite o narrador na p.159).
Alencar defende acerrimamente aquilo a que ele chama “moralidade”. Verifica-se nele um exagero da “moralização” ultra-romântica e uma consequente fuga ao real circundante.
Þ    Ega assume a defesa do Realismo e identifica-se com as modernas ideias. Afinidade entre Ega e Eça de Queirós. Porém, verifica-se uma distorção das teses naturalistas (Cf. p.164)
Þ    O Realismo é encarado negativamente por Carlos.
Þ    A partir da p.162, surge entre os convivas presentes no jantar o conflito protagonizado por Alencar e Ega, que promovem um episódio de diversão, quer pela linguagem desbragada que usam, quer pela sua atitude indecorosa (troca de ameaças, tanto mais que se encontram num lugar de prestígio social) (Cf. pp.172-175)
Þ    Problemática da crítica literária e do seu cânone específico. Dois vícios fundamentais da crítica literária de conotações académicas:
v  A mera preocupação com questões de natureza formal em detrimento da dimensão temática e verdadeiramente poética da literatura em análise.
v  A pura obsessão com o plágio, interpretando assim uma atitude de tipo policial que nada tinha que ver com valoração estética. (Cf. intervenção de Alencar, p.172)
Þ    A polémica literária toma depois outro rumo: esgotados os argumentos expostos, só resta o ataque pessoal, totalmente arredado da essência das questões abordadas (Cf. p.174). Isto confirma a ideia de que Alencar vale mais como representante de uma mentalidade de certo modo generalizada do que como personagem individualizada e isolada. A discussão entre Ega e Alencar acaba como uma cena de pancada (Cf. p.174)

2.Apolítica de Estado

Þ    É explícita a crítica à política financeira praticada pelos ministérios (Cf. p.165: “A única ocupação...)
Þ    Quem faz a política são os políticos e por isso são os principais causadores do panorama de individualismo, corrupção e má gestão que se vive em Portugal. Na obra, a classe política é caracterizada como sendo um grupo de “medíocres” e “patetas”. Estes são o reflexo de um país desacreditado. Podemos verificar, no discurso empolgado de Ega, essa viva crítica aos políticos da época, por ele genericamente tratados por “colecção grotesca de bestas” (Cf. p.166). Porém, na tentativa de não desprestigiar Cohen – político homenageado no jantar – Ega modera as suas afirmações, admitindo que “também há homens de grande valor!” (Cf. p.166)
Þ    Ega introduz a temática das finanças portuguesas e todos se vão divertindo com as explicações de Cohen acerca de como se faz uma bancarrota (Cf. p.165). Uma vez lançado o tema, este serve de pretexto para diversão geral, como se as finanças públicas fossem assunto de somenos importância. Discute-se afinal entre as personagens, de modo frio e calculista, as desastrosas consequências da gestão ministerial empenhada em levar o país à ruína.
Þ    Cf. pp. 167-168 → O sentimento patriótico não é levado a sério.  O patriotismo, tão defendido pelos antigos heróis nacionais, é desmistificado de forma irónica, tornando inútil o esforço daqueles que, ao longo dos tempos, se bateram pela independência nacional.
Ressalva-se a “paixão patriótica” de Alencar, paradigma do sentimento romântico que parece desaparecer. Apesar das críticas à estética romântica, na obra representada pelo Alencar, esta personagem assume aparentemente a defesa dos valores patrióticos e da coerência dos princípios que defende. (Cf. p.166)
Þ    Dâmaso, porém, contrasta vivamente, representando de forma irónico-crítica a mesquinhez e a cobardia que grassam no Portugal do século XIX. (Cf. p. 169)
Þ    Em vários pontos da obra Os Maias, o processo irónico eciano incide sobre o sentimento generalizado, transmitido por algumas personagens e pelo próprio narrador, de que é necessário importar costumes: tudo o que é português é antigo e velho, tudo o que é estrangeiro é simplesmente “chic”.
Cf. p.158 → fala de Dâmaso → estas palavras de Dâmaso espelham precisamente o sentimento criticado de que Portugal não presta.  Isto sucede, não pela ausência de valores nacionais, que definem a raça, mas porque os portugueses os desvalorizam em favor do que é estrangeiro.
A intervenção de Dâmaso constitui mais um dos momentos divertidos do jantar, onde ele pode dar asas à sua vaidade e futilidade, falando dos pormenores das suas viagens, exibindo uma predilecção pelo estrangeiro.
Þ    Contrariamente à consciência que Eça revela dos problemas do seu tempo, as personagens da sua ficção terminam, de forma inconsequente, o jantar e as discussões, totalmente alheadas, revelando inconsciência relativamente aos problemas e soluções para o país. E, por entre exaltações de espanholadas e “menus” à francesa, o jantar acaba num clima despreocupado de alegria. (Cf. p.171)


Em última análise, o que todo este episódio do jantar do Hotel Central representa é o esforço frustrado de uma certa camada social (por ironia a mais destacada) para assumir um comportamento digno e requintado. Só que (à parte algumas excepções) a realidade dos factos vem ao de cima; que o mesmo é dizer: as limitações culturais e morais não se ocultam à custa de ementas afrancesadas, divãs de marroquim e ramos de camélias.




Temática
Crítica
Literatura


• Oposição entre o Romantismo e o Realismo
• Estagnação da cultura em Portugal



Política
• Independência de Portugal
• Políticos
• Finanças públicas

• Falta de patriotismo
• Incompetência da classe
• Queda financeira do país



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