OS MAIAS de Eça de Queirós
O episódio do jantar no Hotel Central (capítulo
VI)
O capítulo onde está inserido o jantar no Hotel Central
permite-nos perspectivar o Portugal contemporâneo d’Os Maias. O
jantar em honra do banqueiro de prestígio, o Cohen, é um acontecimento
eminentemente mundano; é particularmente rico pelo retrato crítico que Eça faz
ao contexto político e cultural do seu tempo. Neste retrato assumem particular
relevo dois aspectos fundamentais da vida da nação:
- o cultural (mais propriamente a literatura)
- o político.
Este jantar serve para propiciar um primeiro e alargado
contacto de Carlos com o meio social lisboeta (com Cohen, Alencar, Dâmaso
Salcede e outros)
1.Aliteratura: Romantismo versus Realismo
Ao longo dos diálogos que se vão travando, assiste-se ao
confronto entre duas linhas estéticas diferentes.
Þ Das figuras presentes no jantar está Alencar,
que representa o Romantismo, ou seja, a velha corrente literária (Cf. a
descrição que nos transmite o narrador na p.159).
Alencar defende acerrimamente aquilo a que ele chama
“moralidade”. Verifica-se nele um exagero da “moralização” ultra-romântica e
uma consequente fuga ao real circundante.
Þ Ega assume a defesa do
Realismo e identifica-se com as modernas ideias. Afinidade entre Ega e Eça de
Queirós. Porém, verifica-se uma distorção das teses naturalistas (Cf. p.164)
Þ O Realismo é encarado negativamente por
Carlos.
Þ A partir da p.162, surge entre os
convivas presentes no jantar o conflito protagonizado por Alencar e Ega, que
promovem um episódio de diversão, quer pela linguagem desbragada que usam, quer
pela sua atitude indecorosa (troca de ameaças, tanto mais que se encontram num
lugar de prestígio social) (Cf. pp.172-175)
Þ Problemática da crítica literária e do
seu cânone específico. Dois vícios fundamentais da crítica literária de
conotações académicas:
v A mera preocupação com questões de natureza formal
em detrimento da dimensão temática e verdadeiramente poética da literatura em
análise.
v A pura obsessão com o plágio, interpretando assim
uma atitude de tipo policial que nada tinha que ver com valoração estética.
(Cf. intervenção de Alencar, p.172)
Þ A polémica literária toma depois outro
rumo: esgotados os argumentos expostos, só resta o ataque pessoal, totalmente
arredado da essência das questões abordadas (Cf. p.174). Isto confirma a ideia
de que Alencar vale mais como representante de uma mentalidade de certo modo
generalizada do que como personagem individualizada e isolada. A discussão
entre Ega e Alencar acaba como uma cena de pancada (Cf. p.174)
2.Apolítica de Estado
Þ É explícita a crítica à política
financeira praticada pelos ministérios (Cf. p.165: “A única ocupação...)
Þ Quem faz a política são os políticos e
por isso são os principais causadores do panorama de individualismo, corrupção
e má gestão que se vive em Portugal. Na obra, a classe política é caracterizada
como sendo um grupo de “medíocres” e “patetas”. Estes são o reflexo de um país
desacreditado. Podemos verificar, no discurso empolgado de Ega, essa viva
crítica aos políticos da época, por ele genericamente tratados por “colecção
grotesca de bestas” (Cf. p.166). Porém, na tentativa de não desprestigiar Cohen
– político homenageado no jantar – Ega modera as suas afirmações, admitindo que
“também há homens de grande valor!” (Cf. p.166)
Þ Ega introduz a temática das finanças
portuguesas e todos se vão divertindo com as explicações de Cohen acerca de
como se faz uma bancarrota (Cf. p.165). Uma vez lançado o tema, este serve de
pretexto para diversão geral, como se as finanças públicas fossem assunto de
somenos importância. Discute-se afinal entre as personagens, de modo frio e
calculista, as desastrosas consequências da gestão ministerial empenhada em
levar o país à ruína.
Þ Cf. pp. 167-168 → O sentimento
patriótico não é levado a sério. O patriotismo, tão defendido pelos
antigos heróis nacionais, é desmistificado de forma irónica, tornando inútil o
esforço daqueles que, ao longo dos tempos, se bateram pela independência nacional.
Ressalva-se a “paixão patriótica” de Alencar, paradigma do
sentimento romântico que parece desaparecer. Apesar das críticas à estética
romântica, na obra representada pelo Alencar, esta personagem assume
aparentemente a defesa dos valores patrióticos e da coerência dos princípios
que defende. (Cf. p.166)
Þ Dâmaso, porém, contrasta vivamente,
representando de forma irónico-crítica a mesquinhez e a cobardia que grassam no
Portugal do século XIX. (Cf. p. 169)
Þ Em vários pontos da obra Os
Maias, o processo irónico eciano incide sobre o sentimento
generalizado, transmitido por algumas personagens e pelo próprio narrador, de
que é necessário importar costumes: tudo o que é português é antigo e velho,
tudo o que é estrangeiro é simplesmente “chic”.
Cf. p.158 → fala de Dâmaso → estas palavras de Dâmaso
espelham precisamente o sentimento criticado de que Portugal não presta.
Isto sucede, não pela ausência de valores nacionais, que definem a raça, mas
porque os portugueses os desvalorizam em favor do que é estrangeiro.
A intervenção de Dâmaso constitui mais um dos momentos
divertidos do jantar, onde ele pode dar asas à sua vaidade e futilidade,
falando dos pormenores das suas viagens, exibindo uma predilecção pelo
estrangeiro.
Þ Contrariamente à consciência que Eça
revela dos problemas do seu tempo, as personagens da sua ficção terminam, de
forma inconsequente, o jantar e as discussões, totalmente alheadas, revelando
inconsciência relativamente aos problemas e soluções para o país. E, por entre
exaltações de espanholadas e “menus” à francesa, o jantar acaba num clima
despreocupado de alegria. (Cf. p.171)
Em última análise, o que todo este episódio do jantar do
Hotel Central representa é o esforço frustrado de uma certa camada social (por
ironia a mais destacada) para assumir um comportamento digno e requintado. Só
que (à parte algumas excepções) a realidade dos factos vem ao de cima; que o
mesmo é dizer: as limitações culturais e morais não se ocultam à custa de
ementas afrancesadas, divãs de marroquim e ramos de camélias.
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Temática
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Crítica
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Literatura
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• Oposição entre o Romantismo e o Realismo
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• Estagnação da cultura em Portugal
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Política
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• Independência de Portugal
• Políticos
• Finanças públicas
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• Falta de patriotismo
• Incompetência da classe
• Queda financeira do país
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